Pelo menos dois
usuários de drogas são internados à força
por dia em SP
Número pode ser maior,
porque nem sempre o Ministério Público - responsável pela compilação dos dados
- é notificado da internação
Enquanto se discute,
na esfera judicial, se a internação compulsória de viciados em crack é válida
ou não, pelo menos 5.103 dependentes desta e de outras drogas foram internados
de forma involuntária em São Paulo nos últimos oito anos. Na média, são quase dois
por dia. Levantamento inédito obtido pelo Estado revela que, ao contar outras
doenças psiquiátricas, esse número pula para 32.719 casos.
A maior parte dos
pacientes involuntários apresenta diagnóstico de psicose, esquizofrenia e
dependência química provocada por álcool e drogas – doenças diretamente
associadas, segundo especialistas, e somam mais de 20 mil casos. Na lista, há
relatos de transtornos causados por crack, cocaína, heroína e maconha entre usuários
de até 60 anos, incluindo adolescentes. Os dados são do Ministério Público
Estadual, que deve ser notificado quando a internação involuntária ocorre mediante
aprovação da família, em um prazo máximo de 72 horas. A regra vale para
qualquer diagnóstico, que tem relação, ou não, com o uso de álcool e drogas.
Apesar de polêmica, a
medida é considerada legal em todo o País desde abril de 2001, a partir da
publicação da Lei 10.216, que permite que parentes de sangue optem pelo
tratamento mesmo sem consentimento do paciente. A legalidade da internação, no
entanto, depende da apresentação de um laudo médico, assinado por um psiquiatra.
A exigência médica - aliada à regra que proíbe que o tratamento involuntário
seja solicitado por maridos e mulheres - promove, segundo representantes do Ministério
Público, uma subnotificação, especialmente entre pacientes com alto poder
aquisitivo, que podem pagar clínicas particulares.
Responsável pelo
controle dos dados, o promotor de Justiça Mário Coimbra afirma que um número
muito maior de pessoas passa ou já passou por internações contra vontade na
capital e em outras cidades do Estado. "Isso ocorre porque as clínicas
clandestinas que afirmam tratar dependentes químicos proliferam-se no Estado.
Elas não fazem a notificação obrigatória quando recebem um paciente internado
de forma involuntária porque são irregulares, não têm estrutura física ou
médica e, muitas vezes, nem tratamento oferecem", diz Coimbra, que coordena
o Centro de Apoio Operacional (CAO) Cível e de Tutela Coletiva da Saúde Pública.
O promotor defende a criação de uma legislação específica que regule o trabalho
dessas instituições, a fim de evitar que familiares se iludam com propagandas
enganosas e pacientes sejam maltratados durante a internação. "Temos de
promover uma ampla discussão sobre o tema, que determine novas condições de
fiscalização. O Ministério Público não tem como atuar sozinho", destacou
Coimbra.